quarta-feira, 8 de abril de 2020

Nunca vai acontecer comigo [Crônica]


Esse é um pensamento bastante comum. Se algo é extraordinário, peculiar ou estranho, não “acontecerá comigo”. Imaginamos o universo girando ao nosso redor. Imaginamos que somos especiais e é por isso que doenças/perigos/acasos/desastres “não acontecerá comigo”. Só com os outros. Pois os outros são os outros e é o que vejo no jornal. Sempre uma história de alguém que nunca vi.
Até tinha esse pensamento comigo, até quando o inesperado “aconteceu comigo”. Parece história de cinema de tão peculiar que foi. Então, se me permitem, compartilharei o que ocorreu.
Estava de férias com minha família em São José, Santa Catarina. Às vésperas da nossa viagem de retorno para Belém, e então Capanema no Pará, meu filho mais velho começou a passar mal. Enjoo, dor de barriga, falta de apetite. Todos começaram a se perguntar o que será que ele tinha comido para sentir aquelas coisas. A culpa caiu em cima de um suco de laranja e um ovo frito. Malditos.
Tomou remédio, mas os sintomas não arrefeceram. A saída era ir para o hospital. A viagem seria na madrugada. Era importante ele melhorar para seguir viagem e então, uma vez no destino, consultaríamos na urgência. Afinal, era apenas uma dor de barriga, no máximo uma intoxicação alimentar. Quem nunca passou por um episódio em que “a comida não caiu bem”?
A dor arrefeceu, após vários remédios. Uma médica chegou a especular que aquilo seria emocional, já que estávamos de partida, as férias estavam chegando ao fim, e o retorno de um local tão bonito e divertido teria tal efeito na criança. Achamos estranho, conhecemos nosso filho, ele nunca foi de ter essas crises emocionais.
Sentindo-se melhor conseguimos embarcar. Seria uma viagem de cerca de seis a sete horas de Florianópolis até Belém, com uma conexão em Guarulhos.
Foi no avião que a história começou a mudar realmente. Meu filho voltou com os sintomas, só que dessa vez mais severos. A dor era tão intensa que ele estava quase desfalecendo-se. Pousamos na conexão e corri para o posto médico do aeroporto com ele em meus braços, pouco me importando com quem estava ao meu redor ou em quem esbarrava. Queria um médico para ver o que meu filho tinha!
Quando o médico o examinou disse as palavras que eu nunca esperava que fosse escutar em minha vida, durante uma viagem, pior ainda, em um local em que não tinha família e qualquer apoio: “Ele está com uma inflamação na região da barriga, deverá ser removido para um hospital”.
Aquelas palavras nos derrubaram. Isso já tem alguns anos, mas lembro perfeitamente todo o processo. A espera no aeroporto, a remoção de ambulância para o hospital, a espera no hospital, a ausência de comunicação com minha esposa que entrou com nosso filho (eu tinha perdido meu celular em um parque de diversões famoso de Santa Catarina), até a chegada da (outra) notícia: “Seu filho está com apendicite e está indo para a sala de cirurgia nesse momento”.
Cirurgia durante a conexão.
Caso a minha vida fosse uma série de televisão assim seria o título desse episódio.
Foi aí que repensei a ideia de que “isso nunca vai acontecer comigo”. É um mito, uma trapaça da mente humana. Sim, tudo é possível de acontecer com você. Quem diria que meu filho, em viagem, na volta das férias, em uma conexão, tivesse que realizar uma cirurgia?
O episódio, além de me ensinar uma nova mentalidade, instaurou em mim uma noção muito maior de empatia, principalmente para aquelas pessoas que estão sofrendo por alguma coisa que ocorreu em suas vidas.
Tudo ocorreu bem, apesar dos grandes percalços, passamos 11 dias em Guarulhos, e voltamos pra casa com um aprendizado. Sim, é possível que aconteça comigo.

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